A HISTÓRIA DE "EU NÃO SEI DANÇAR": Paixão de carnaval

O álbum Marina Lima de 1991

Eu Não Sei Dançar foi lançada por Marina Lima em 1991 num disco que traz delícias como Acontecimentos, Grávida e outros grandes sucessos da cantora. 

Os versos despertam interpretações diversas. 

Soam como a expressão de um amor sem futuro ou talvez de um relacionamento desfeito porque não tinha como dar certo ou de uma solidão incurável e resistente a paixões ou... (complete a sentença a partir da sua leitura da letra)

Às vezes eu quero chorar
Mas o dia nasce e eu esqueço
Meus olhos se escondem
Onde explodem paixões...

E tudo que eu posso te dar
É solidão com vista pro mar
Ou outra coisa pra lembrar...

Às vezes eu quero demais

E eu nunca sei
Se eu mereço
Os quartos escuros
Pulsam!
E pedem por nós...

E tudo que eu posso te dar
É solidão com vista pro mar
Ou outra coisa prá lembrar

Se você quiser
Eu posso tentar
Massss!...

Eu não sei dançar
Tão devagar
Pra te acompanhar...(final 3x)

Palavras que ganham bastante verdade e significado naquela voz rouquinha e provocante de Marina dos anos 1990. Já o teclado sereno e melodioso, quase choroso, faz a cama para as emoções. Tudo nos leva em uma jornada ao fundo de uma óbvia melancolia, tão romântica quanto - aparentemente - problemática.

Mas a história mostra que ela não tem tanto significado assim - ao menos na vida de quem a compôs. Afora o sucesso alcançado, óbvio, que colocou o cara na primeira divisão do pop, a canção parece ter mais dizer aos fãs do que ao autor.

Falamos do baiano Alvin L. 

Alvin sempre se mostrou um artista avesso ao sucesso quando entrevistado. Na ocasião do lançamento do primeiro disco solo, parecia reclamar: "Agora estou morrendo de ciúmes de ter que dividir o disco com o público, de ter que dar ao mundo o que é meu. É meio como uma depressão pós-parto", disse à Folha em 1997.

Isso explicaria um pouco  a atitude dele diante do primeiro grande sucesso como compositor. Num bate-papo muito louco com Bernardo Schmidt publicado no blog O Patativa, Alvin L. revelou certa "indiferença" em relação ao que classificou como "baladinha romântica", rejeitada até pelo Dinho Ouro Preto do Capital Inicial:

Lorena Calábria: musa de um carnaval que passou?

"(...)Alvin L. - Eu Não Sei Dançar foi uma música que eu comecei a fazer num carnaval, provavelmente em 89... eu tava andando muito com Lorena [Calábria, jornalista] e com o Dé, do Barão Vermelho, muito. E nesse carnaval a gente tava meio junto (...) e uns dias antes eu tinha estado numa festa que começou a tocar uma música lenta e neguinho: 'Vamos dançar! Vamos dançar!´, e eu sou péssimo em dançar juntinho. 

Péssimo, piso no pé, fico fora do ritmo... aí eu fiquei pensando naquilo e me veio isso, assim, é uma boa metáfora para você dizer pra uma pessoa que não pode ficar com ela, porque não combina, não vai dar certo, não sei quê, 'eu não sei dançar tão devagar pra te acompanhar'. 

Bernardo Schmidt

Que tem uma coisa real, mas aí vira uma outra, não sei que, enfim, esse foi o processo da coisa. E eu tenho muita impressão de que aquela sétima, (canta) 'Eu não sei dançar...', fez a música. Quando chega ali todo mundo chora. Aquela sétima fez a música (...)  

(...) Bernardo Schimidt  – Agora, 'e tudo que eu posso te dar é solidão com vista pro mar'?

Alvin L. – Pra mim parece anúncio de prédio em frente pro mar (gargalhadas). Não sei o que as pessoas veem nisso!

Bernardo – As pessoas amam isso de paixão...

Alvin – Não sei por quê...

Bernardo – É bonito demais...

Alvin – Aquilo saiu, não tenho nenhum carinho... tenho um carinho especial porque todo mundo ama, mas não é... (...)"

A canção está no disco solo de Alvin. Filho único, de um artista que até tem boas composições como Stromboli, Deve Ser Assim e Na Minha Mão (gravadas pela Marina), Mickey Mouse em Moscou, Todos os Lados e Eu Vou Estar (em discos do Capital) além de Tudo que Vai (cantada pelo Toni Platão) e Perder Tempo com Você (na voz da Ana Carolina). 

Com Alvin L., Eu Não Sei Dançar ganhou uma interpretação condizente com a leitura exposta acima.

Independentemente do que expressa o autor, alguns intérpretes entenderam que poderiam ir além. E quem gravou uma versão lindíssima da "baladinha" foi Milton Nascimento. Ela até foi incluída no repertório do disco Crooner (2000), onde ele regravou um monte de gente bacana - de Dolores Duran (Rosa Maria) a Michael Jackson (Beat It); de Jorge Benjor (Mas que Nada) a Nando Reis e Samuel Rosa (Resposta).  

Tá lá também aquela história de amor, tão mal contada pelo Alvin mas - felizmente - deliciosamente cantada pelo Bituca!!!

A beleza de Eu Não Sei Dançar é evidente. Mas chateia perceber aquele turbilhão de emoções meio que menosprezado por seu compositor. E diante de interpretações de gente tão grande da MPB, as impressões quase depreciativas do autor soam ainda mais estranho. Marina até incluiu a música no repertório de seu disco acústico.

O material com as impressões de Alvin L. nasceu de uma transcrição aparentemente sem filtro de um bate-papo com fãs em 2004. O mediador/entrevistador Bernardo Schmidt - autor de uma biografia importante do Jânio Quadros - encheu a bola do sujeito já na apresentação, postada quase sete anos depois: 

"(...) fomos da infância ao apogeu profissional e à atualidade, esmiuçando cada um dos fatos mais marcantes da vida de Alvin. Nada seria possível se o compositor não fosse um sujeito inteligente, articulado, descontraído, bem-humorado e absolutamente sincero (...)"

Ok. 

Alvin L foi líder da banda Sexy Beatles

 

 Sinceridade, despojamento, excentricidade de artista, falsa modéstia, c... doce - chame do que quiser. Talvez ele apenas não tenha mesmo conseguido se expressar ou estivesse numa vibe de não se levar a sério ou mesmo que não seja daqueles que "joga pra galera". 

 

 

 

A íntegra da conversa pode ser acessada no link que se encontra ao final desta postagem.

No mesmo bate-papo, Alvin até meio que se retrata aos fãs depois de um "esporro" do entrevistador:

"(...) É TUDO MENTIRA! (gargalhadas) Mas você sabe que hoje em dia, ouvindo a música, eu acho uma grande canção mesmo... eu juro pra você, tem muitas músicas minhas que eu fico assim, 'de onde eu tirei isso?' 

Eu não sei de onde saiu aquilo, cara. Veio! Me veio, deve ter sido algum... eu nunca reparei que aquilo podia ser nada, eu gostava da música, acho que o resultado final ficou razoável, mas eu não tinha nenhum carinho especial pela música (...)"

Pelo conjunto da obra - desculpas (ou não) aceitas, Alvin!

Fonte: O Patativa 2010

Pesquisa: Robson Leite