Guilherme Arantes nasceu em uma família que aprendeu a curar os males do mundo pela medicina e também pela música. O pai era médico mas um grande fã de MPB. Foi principal incentivador do talento que o filho do meio demonstrava com instrumentos: aos 4 anos, o moleque aprendeu a tocar cavaquinho. Aos 5, já evoluiu pro piano. Ninguém se admirou quando, já na adolescência, partiu pra montagem de uma banda.
A primeira tinha o futuro ator Kadu Moliterno como baixista e chamava O Polissonante.
Nessa época ele já tinha ido além dos instrumentos. Começou a compor música e letra. Canções que só ficariam conhecidas anos e anos mais tarde. O início da carreira profissional rolou em 1973, depois de integrar o time de músicos que se apresentava com Jorge Mautner.
Foi quando montou com amigos a banda Moto Perpétuo, com influência sonora de Minas Gerais. O então recém-lançado álbum Clube da Esquina 1 foi mais que inspiração. O pai de Guilherme era grande fã de Milton Nascimento. A Moto Perpétuo, empresariada por Moracy do Val (ex-Secos e Molhados), conseguiria lançar um LP em 1974.
Capa do primeiro disco solo pela Som Livre já com Meu Mundo e Nada Mais |
Arantes parece ter depurado a veia de compositor na publicidade, onde desenvolveu o talento para construir peças que sabiam "conversar" com a audiência. Em 1975 largou tudo, inclusive a banda, e partiu pra carreira solo, aterrissando cheio de ideias e melodias na gravadora Som Livre. A essa altura, o curso na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo de SP também estava com os dias contados.
Foi muito bem recebido no selo por um time que desejava muito lançar artistas brasileiros cantando música pop em português. Embora, na época, chique mesmo era gravar em inglês e com nome gringo. No início da carreira o Fábio Júnior, por exemplo, era conhecido como Mark Davis.
Como braço fonográfico das Organizações Globo, não seria difícil incluir aquela jovem aposta na trilha sonora de alguma novela. E se Guilherme Arantes era promessa, aos 23 anos, mais impactante é saber que a canção escolhida para lança-lo foi composta quando ele tinha apenas... 16!!!
Algo que tinha a ver com o momento de incertezas, dúvidas e dramas de alguém que estava apenas dando seus primeiros passos rumo à vida adulta com pernas de artista. Numa entrevista à revista Quem, em 2017, Arantes declarou:
"- (...) sofri muito bullying. Apanhava muito. Era o mais novinho da sala. Entrei no primário com 5 anos. Minha mãe achava o máximo o filho ser avançado, mas isso é um terror. Na adolescência, com a testosterona dos meninos, os caras da turma eram homens e eu era um menino ainda. A diferença ficou brutal e eu era o alvo (...)".
Com elementos que pareciam representar a personagem principal da trama de Anjo Mau, a canção Meu Mundo e Nada Mais foi formatada pra estourar nas paradas de sucesso da época. Na mesma entrevista à Quem ele revelou:
"- (...) quando compus Meu Mundo e Nada Mais, era adolescente e a letra dizia: 'Me atirei no mundo e vi tudo mudar'. Pediram a mudança para caracterizar o personagem do José Wilker. Tentei: 'Quando fui traído vi tudo mudar'. Mas optei por: 'Quando fui ferido vi tudo mudar'. Ficava mais adequado ao personagem (...)".
O resto da história está na boca do Brasil há décadas.
Quando eu fui ferido
Vi tudo mudar
Das verdades
Que eu sabia
Só sobraram restos
Que eu não esqueci
Toda aquela paz
Que eu tinha
Eu que tinha tudo
Eu queria tanto
Estar no escuro do meu quarto
À meia-noite, à meia luz
Sonhando!
Daria tudo, por meu mundo
E nada mais
Não estou bem certo
Se ainda vou sorrir
Sem um travo de amargura
Como ser mais livre
Como ser capaz
De enxergar um novo dia
(repete refrão)
“- (...) o Otávio, o Guto e o João Araújo (pai do Cazuza) resolveram me lançar como tema da novela das sete (Anjo Mau), e aí sim começaria de verdade a minha história. Devo tudo a essa oportunidade, que em seguida me abriu os caminhos para o primeiro LP, em meados de 1976. Não que Meu Mundo e Nada Mais tenha estourado de cara. Demorou pra tocar no rádio.
Eu me lembro que no começo só tocava de madrugada, na antiga Rádio Excelsior, mas era uma emoção me ouvir no mesmo velho radinho de pilha debaixo do travesseiro (onde tantos jogos do Santos de Pelé foram acompanhados na adolescência, com inesquecível narração de Fiori Gigliotti).
Meu Mundo e Nada Mais viria a tocar 530 vezes na novela, que eu contei, assistindo com a minha avó Iracema, que na época morava no Lar Santanna. Era um massacre, virei um sucesso instantâneo (…)”
No mesmo site oficial, ele recorda:"- (...) Era engraçado ser reconhecido na rua: Olha aquele cara do Anjo Mau!!! Eu não sabia o que era isso, vinha de um meio universitário diametralmente oposto ao popular. Uma vez, fui cantar no Show de Calouros do Silvio Santos, onde o Zé Fernandes me deu 4,5 (o máximo era 5), e o Brasil inteiro comentou aquilo...
Ele deu 4,5 porque a letra dizia só sobraram restos e isso fazia
cacófato com soçobraram restos… Grande descoberta!! Aí, eu perguntei se
ele não conhecia esse recurso da poesia modernista… Silvio interrompeu
dizendo: Não, não, neste quadro o cantor não pode falar…."
Esse é Guilherme Arantes. Um hitmaker que aos 16 anos (!), querendo desviar de bullying, acabou atingido em cheio pelo dom de encantar multidões. Um compositor que custou a vingar como artista popular, mas que foi difícil de igualar quando finalmente chegou ao topo das paradas.
Pesquisa: Robson Leite
É uma dádiva ter um gênio desses no Brasil. Em meio ao caos musical que estamos, isso conforta.
ResponderExcluir