A HISTÓRIA DE "YOLANDA (IOLANDA)": Eternamente

Duas que são uma. 

Yolanda é a original, enquanto que Iolanda é a versão brasileira. Por trás dessas canções, dois gênios da música latino-americana: Pablo Milanés e Chico Buarque. Vou contar primeiro quem é essa mulher que inspirou versos tão apaixonados e depois explico como que o Chico entrou nessa história.

Produtora de cinema e TV em Cuba, Yolanda Benet era a esposa de Pablo em 1970. Ela acabara de dar à luz Lynn, a primeira filha do casal. Mas o cantor e compositor não pode estar presente ao parto por causa do trabalho. Milanês tinha apresentações agendadas longe de Havana. 

Foram apenas alguns dias longe da família. Mas a saudade da esposa e a vontade de estar ao lado dela naquele momento tão especial, inspiraram o poeta. E, quando finalmente retornou, tinha escrito uma das canções mais lindas e românticas do mundo. 

Esto no puede ser no más que una canción
quisiera fuera una declaración de amor
Romántica, sin reparar en forma tales
que pongan freno a lo que siento ahora a raudales
Te amo, te amo, eternamente te amo.

Si me faltaras no voy a morirme
si he de morir quiero que sea contigo.
Mi soledad se siente acompañada
por eso a veces sé que necesito
tu mano, tu mano, eternamente tu mano.


Cuando te vi sabía que era cierto
este temor de hallarme descubierto.
Tú me desnudas con siete razones
me abres el pecho siempre que me colmas
de amores, de amores, eternamente de amores.

Si alguna vez me siento derrotado
renuncio a ver el sol cada mañana.
Rezando el credo que me has enseñado
miro tu cara y digo en la ventana:
Yolanda, Yolanda, eternamente Yolanda.
Yolanda, eternamente Yolanda.

O casamento não durou muito, cinco anos somente. Mas a canção taí, até hoje, fazendo muita gente suspirar. Em entrevista à Marie Claire brasileira, Benet deu o seguinte depoimento:

"- Conheci Pablo na casa de um amigo comum, em Havana. Eu tinha 23 anos e era continuísta de cinema. Casualmente, três dias depois começamos a trabalhar juntos em um filme e nos apaixonamos. Pablo compôs Yolanda quando nossa primeira filha tinha dez dias. Ficou chateado por ter de viajar. 

Pablo Milanês com a pequena Lynn e a esposa nos anos 1970

Quando regressou, trouxe a canção. Eu estava com Linn nos braços, dando-lhe o peito, e ele me disse: 'Olha o que fiz para você'. Pegou o violão e cantou 'Yolanda'. (...) Pensei que aquela canção era algo íntimo, que só eu poderia compreender o que Pablo estava dizendo. Mas parece que ele fez com tanto amor que todos são capazes de entender (...)"

Lynn e Yolanda Benet

Pablo Milanés é um dos cantores e compositores mais influentes de Cuba. Foi um dos precursores do movimento Nueva Trova ao lado de músicos alinhados a temas políticos e sociais, conectados a movimentos populares no Chile, Argentina e também no Brasil. 

Nesse contexto, conheceu Chico Buarque. 

O brasileiro fora a Cuba como convidado pela Casa de las Americas para ser jurado num concurso literário. Ficaram amigos e passaram a gravar canções e mesmo versões de canções um do outro.

Marcando mais uma passagem de Pablo pelo Brasil em 2014, o Correio Brazilense relembrou Chico em Cuba: "(...) sentou-se ao lado do colombiano Gabriel García Márquez e de outros intelectuais latinos. Na plateia, a então esposa Marieta Severo acompanhava o evento. Pouco depois, de volta ao Brasil, Chico e Marieta foram detidos pela polícia e obrigados a prestar esclarecimentos acerca daquela visita(...)"

Em 1978, Milton Nascimento e Chico Buarque gravaram Canción por la Unidad Latinoamericana que foi incluída no disco Clube da Esquina 2


Buarque também gravaria Como se Fosse a Primavera, em espanhol e numa versão em português dele mesmo, com a participação do próprio Milanés. 


Só em 1984 finalmente surgiu uma versão em português para Yolanda. A letra de Chico é bem fiel à proposta original de Pablo Milanés em fazer uma declaração de amor à então esposa. Pra facilitar, por aqui ficou Iolanda, com "I" mesmo. 

E a primeira gravação saiu num disco da cantora Simone. 

Foi em Desejos (1984) que ela e Chico gravaram um dueto memorável e apresentaram ao público toda beleza da poética de Pablo, com uma tradução quase fiel e com a sensibilidade costumeira de Chico Buarque de Hollanda. 

Uma ou outra palavra foram alteradas para soar melhor em português.

Esta canção
Não é mais que uma canção
Quem dera fosse uma declaração de amor
Romântica
Sem procurar a justa forma
Do que me vem de forma assim tão caudalosa
Te amo, te amo
Eternamente te amo
Se me faltares
Nem por isso eu morro
Se é pra morrer
Quero morrer contigo
Minha solidão
Se sente acompanhada
Por isso às vezes sei que necessito
Teu colo, teu colo
Eternamente teu colo


Quando te vi
Eu bem que estava certo
De quem me sentiria descoberto
A minha pele
Vais despindo aos poucos
Me abres o peito quando me acumulas
De amores de amores
Eternamente de amores
Se alguma vez
Me sinto derrotado
Eu abro mão do sol de cada dia
Rezando o credo
Que tu me ensinaste
Olho teu rosto e digo à ventania
Iolanda, Iolanda
Eternamente Iolanda
Iolanda
Eternamente Iolanda
Eternamente Iolanda

Foi um sucesso imediato. Em entrevista a um programa de TV, Simone revelou que Iolanda não sai do repertório dos shows dela desde então. A cantora disse ainda que considera a versão de Chico mais bonita que a letra original. 

Iolanda cativou tanto o público que tornou-se a canção a mais executada de todo repertório de Chico Buarque.

Pablo Milanés veio diversas vezes ao Brasil, gravou inclusive disco por aqui. Em 1986, fez uma aparição inesquecível no global Chico & Caetano. Como não poderia deixar de ser, ele e o filho do seu Sérgio cantaram juntos o grande sucesso de suas vidas.


A canção foi regravada por artistas de diversos países, como Guadalupe Piñeda (México), a Orquestra Guaycán (Colômbia) e ainda a Danza Invisible (Espanha). No Brasil também houve regravações marcantes. 

Há uma muito bonita de Ney Matogrosso em 1998, incluída no DVD da turnê do cantor pelo Brasil em 2019. 

Outra regravação muito lembrada é a dos sertanejos Christian & Ralph que está no show Acústico (CD e VHS) da dupla, também de 1998, mas que seria relançado em DVD em 2004. 

Por essas e outras, é que a tal da Yolanda não sai da nossa cabeça.


Pesquisa: Robson Leite

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