A HISTÓRIA DE "ASA BRANCA": Baião de muitos

Há quem veja um hino de grande beleza, há quem entenda como um grito, face à miséria do nordestino por causa da seca. "Asa Branca" consegue mesmo provocar sentimentos que parecem antagônicos. E todos autênticos.

Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira: parceria eterna

Consta que a melodia já era conhecida, cantada de jeitos diferentes pelos cabras sertanejos. O destino de sucesso só se realizaria a partir do encontro de dois gênios. Por sinal, uma dupla de fugidos da seca: um do Ceará, outro do Pernambuco.

Rio de Janeiro no início dos anos 1940. O cearense (de Iguatu) Humberto Teixeira e o pernambucano (de Exu) Luiz Gonzaga, depois de conversas por telefone, marcaram na Avenida Calógeras no centro da então capital da República. 

Aliás! Pedaço de chão abençoado. Uma década mais tarde, outros parceiros geniais também fariam por ali o primeiro contato de muitos: Tom Jobim e Vinícius de Moraes.

Mas essa é outra história.


Eis a emplumada patagioenas picazuro ou, simplesmente, asa-branca


Reuniram-se no escritório de Teixeira, advogado e poeta. Gonzaga, levado pelo compositor Lauro Maia (cunhado de Humberto), buscava um repertório 100% nordestino e queria um algo a mais. Encontrou em Humberto Teixeira  a parceria ideal.

Já naquele 1945 começaram a rascunhar o que seria conhecido como Baião. Uma mistura de toadas bem cabras-da-peste com o chorinho malandramente carioca. Já nesse primeiro encontro, teriam brotado clássicos como "Baião", "Juazeiro" e "No Meu Pé de Serra" - este último, o primeiro sucesso da dupla.



"Asa Branca" também surgiu nessa leva, mas só seria gravada por Luiz Gonzaga em 1947. A melodia ele teria aprendido com o pai Januário. Certa vez o velho teria comentado com Dominguinhos, ouvindo Gonzagão executá-la num show: "Esta música aí foi esse negro safado que roubou de mim".
 
"Em tom de brincadeira" - esclareceu Domingos. Sei lá. Essa família era meio complicada.


 Doc sobre Humberto Teixeira com produção executiva da filha dele, a atriz Denise Dumont. A história sobre a gravação de "Asa Branca" aparece aos 00:45:49
 
Se paira alguma dúvida sobre a procedência, nenhuma resta quanto à qualidade da poesia que Gonzaga e Teixeira vestiram na letra. Não à toa, um virou Rei e o outro o Doutor do Baião. As referências poéticas emprestam um olhar diferente para o trágico. 

Versos ditos por um personagem, triste em ter que partir, mas ciente que não poderia ficar mais naquela terra judiada. 


 Gravação original de 1947

Nem a asa-branca, uma pomba-rola típica do agreste, aguentou. Foi-se embora também. Mas ele promete à sua amada Rosinha que, quando a  plantação voltasse a ter o mesmo verde dos olhos dela, voltará. 


 ASA BRANCA
(Humberto Teixeira - Luiz Gonzaga)
1947




Quando olhei a terra ardendo
Igual fogueira de São João
Eu perguntei a Deus do céu, ai
Por que tamanha judiação
Eu perguntei a Deus do céu, ai
Por que tamanha judiação
Que braseiro, que fornalha
Nem um pé de plantação
Por falta d'água perdi meu gado
Morreu de sede meu alazão
Por farta d'água perdi meu gado
Morreu de sede meu alazão
Até mesmo a asa branca
Bateu asas do sertão
Depois eu disse, adeus Rosinha
Guarda contigo meu coração
Depois eu disse, adeus Rosinha
Guarda contigo meu coração
Hoje longe, muitas léguas
Numa triste solidão
Espero a chuva cair de novo
Pra mim voltar pro meu sertão
Espero a chuva cair de novo
Pra mim voltar pro meu sertão
Quando o verde dos teus olhos
Se espalhar na plantação
Eu te asseguro não chore não, viu
Que eu voltarei, viu
Meu coração
Eu te asseguro não chore não, viu
Que eu voltarei, viu
Meu coração


Enfim! Foram pro estúdio da RCA naquele ano e gravaram junto com o Regional do Canhoto. Os músicos a acharam muito diferente do normal. "Parece música de cego pedindo esmola!" e ficaram desfilando de chapéu na mão, zombando. 

Tudo brincadeira, hein, gente.  

Longe disso, "Asa Branca" foi sucesso instantâneo e até hoje é gravada. Tem versões em inglês, alemão, e até - pasmem - em senegalês
.

 Versão senegalesa de "Asa Branca"

A seca do nordeste também continua até hoje. Uma vergonha para os governantes de um país que, felizmente, é capaz de produzir orgulho através de seus artistas. 

Viva Luiz Gonzaga! Viva Humberto Teixeira! Vida eterna, "Asa Branca"!

Fontes principais: Blog SintoniaRolling Stoen Brasil

Pesquisa:Robson Leite




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