A HISTÓRIA DE "O BÊBADO E A EQUILIBRISTA": Para Chaplin e Betinho

No final dos anos 1970 a Ditadura Militar já acenava para seus últimos momentos. Num clima de otimismo, como quem está ávido por despertar de um pesadelo e deseja sonhar com momentos mais belos, João Bosco e Aldir Blanc compõem O Bêbado e a Equilibrista. Entregam a Elis Regina, que lança a música em um compacto e depois a inclui no álbum Essa Mulher de 1979.



 
A ideia original de João não tinha nada a ver com política. Quando Charles Chaplin morreu no Natal de 1977, veio a ideia de compor algo que homenageasse o artista. Em entrevista, ele disse que a linha melódica da música era livremente inspirada em Smile, música de Chaplin para o filme Tempos Modernos de 1936. E sugeriu a Aldir o tema para a letra.


 
"Smile" numa versão de Michael Jackson com imagens do eterno vagabundo: inspiração 


Mas em conversas com Henfil e Chico Mário sobre Herbert de Souza, o irmão exilado Betinho, veio na cabeça de Blanc uma espécie de duplo mortal carpado: um personagem chapliniano, diante das tristezas brasileiras naqueles anos de chumbo. O "bêbado com chapéu-coco", reverenciando o país, como se convidasse para a volta de um sorriso distante.

Como num filme de Chaplin  onde o vagabundo, o desvalido, o excluído, mostrava uma encantadora forma de perceber as belezas da vida. A música se veste como mendigo, "um bêbado trajando luto" que lembrava Carlitos - e lá vai ela, em busca de um final feliz para tramas macabras. 


João Bosco e Aldir Blanc: um sorriso de Chaplin para dias melhores no país

A letra relembra o terror da queda do viaduto Paulo de Frontin, no Rio, que matou dezenas de pessoas em 1971, é a imagem de uma tarde que caía dolorida. Remete também às mulheres que choravam por seus maridos, vítimas do sistema, como Clarisse - nome da companheira de Vladimir Herzog. As imagens de "manchas torturadas" de um tempo de "sufoco", suavizavam-se com um certo "brilho de aluguel" e a presença de uma "esperança equilibrista", tentando se aprumar e ir em frente. 

O show tinha que continuar.

Elis canta "O Bêbado e a Equilibrista": hino pela liberdade

Elis e outros artistas foram execrados pela turma do tablóide Pasquim, como figuras cujos posicionamentos políticos pareciam duvidosos. Henfil, mineiro de Ribeirão das Neves, criou em suas charges para o jornal a figura do Cabôco Mamadô e seu Cemitério dos Mortos-Vivos, onde a gaúcha figurava entre os zumbis da cultura.


Mas para mostrar que não era nada do que o cartunista pintava, consta que Elis convidou Henfil para ouvir a primeira gravação da música em K7. Emocionados, os dois voltaram às boas. E foi ele quem escreveu o release de apresentação de Essa Mulher, com aquela música sobre "a volta do irmão do Henfil".


Elis, Betinho e Henfil: juntos pela anistia ampla, geral e irrestrita

A canção virou um símbolo da anistia, movimento do qual Elis participou assiduamente. Em setembro de 1979, Betinho retornava do México após anos fugido do regime militar. Outros exilados também foram contemplados com a nova lei. "O Bêbado e a Equilibrista" é considerada a grande inspiração para aquele momento da política brasileira. 

Os mineiros Theotônio Santos, Vânia Bambirra e Herbert de Souza (Betinho): a volta ao Brasil


O BÊBADO E A EQUILIBRISTA
(João Bosco/Aldir Blanc)

Caía a tarde feito um viaduto
E um bêbado trajando luto me lembrou Carlitos
A lua tal qual a dona do bordel
Pedia a cada estrela fria um brilho de aluguel
E nuvens lá no mata-borrão do céu
Chupavam manchas torturadas, que sufoco louco
O bêbado com chapéu coco fazia irreverências mil
Prá noite do Brasil - meu Brasil!
Que sonha com a volta do irmão do Henfil
Com tanta gente que partiu num rabo de foguete
Chora a nossa pátria mãe gentil
Choram Marias e Clarisses no solo do Brasil
Mas sei que uma dor assim pungente não há de ser inutilmente
A esperança dança na corda bamba de sombrinha
E em cada passo dessa linha pode se ma...chu...car
Azar, a esperança equilibrista
Sabe que o show de todo artista
tem que continuar



Pesquisa: Robson Leite
Fontes principais: Revista GGN - 2013 - Portal EBC - 2014

Comentários