Lindíssima.
Delicada de tudo. E, ao mesmo tempo, O Mundo é um Moinho não deixa de
ser também um ensinamento sobre as durezas da vida e o cuidado que é
preciso sobre decisões a tomar.
Cartola
compôs a música para a filha Creusa, que ele adotara de uma amiga da
família que havia falecido. Ele morava com Deolinda, que era madrinha da
criança, então com cinco anos. A menina tomou gosto e
acabou fazendo uma carreira discreta como cantora. Cantava com o pai
adotivo e chegou a se apresentar com Herivelto Martins.
Muito antes, aos 16 anos, Creusa começava a demonstrar interesse em usufruir das belezas da vida. Namorar, passear com os amigos, enfim, desfrutar de sua juventude. Zeloso, Cartola teria composto essa canção pensando nela, em tom de conselho. Consta que Creusa casou-se aos 17.
A música é de 1943, mas só foi gravada por Cartola em 1976. O violão de Guinga e a flauta de Altamiro Carrilho na introdução são fantásticos. Creusa participou das gravações e cantou em duas faixas. Detalhe: o poeta só foi gravar as próprias composições nos anos 1970.
E foram apenas quatro discos.
Apesar de famoso na Mangueira através de outros artistas desde os anos 1930, Cartola passou por perrengues incríveis. Ficou no ostracismo durante décadas. Chegou a lavar carros e a trabalhar como vigia noturno. Por sorte, foi reconhecido na rua pelo jornalista Sérgio Porto (o eterno Stanislaw Ponte Preta), que ajudou o mestre a dar um restart na carreira.
No meio da minha pesquisa sobre a história da canção, me deparei com uma polêmica.
Em artigo publicado pelo jornal Hora do Povo em 2013, o poeta gaúcho Sidnei Schneider "compra briga" sobre uma versão controversa, relacionada à origem da música.
Escreve ele: "'(...)Escutar é complicado e sutil', anotou certa vez o escritor Rubem Alves, ele mesmo relembrando Alberto Caeiro, 'Não é bastante não ser cego/ Para ver as árvores e as flores.' Na tal mensagem, a reprodução da letra de 'O Mundo é um Moinho' vem antecedida por este brinco de erudição e amor ao povo, em destaque e sublinhado: 'Cartola fez esta música quando soube que sua filha era prostituta (...)'"
Mais adiante, Sidnei se vale de depoimento de familiares de Creusa para desclassificar essa informação:
"(...)Irinéa dos Santos, a mais velha dos cinco filhos de Creuza, disse que Cartola compôs 'O mundo é um moinho' ao refletir sobre o que reservaria a vida para Creuza, então uma menina de 16 anos, que passava a se interessar pelos rapazes. Preocupações de qualquer pai amoroso em relação a sua filha, às quais é preciso somar a noção de liberdade artística. Cartola, igual a qualquer compositor, devia interessar-se pelo que a canção podia dizer aos outros, os seus ouvintes, e jamais a reduziu à situação doméstica.(...)'"
Deixando a polêmica de lado, porque ela é muito menor que a obra.
Cartola deu a música a Beth Carvalho, que foi usada em 1977 no álbum Nos Botequins da Vida. Vendeu mais de 400 mil cópias - estourou de fazer sucesso.
E, acreditem, o mestre achava que Beth não deveria gravá-la. Um áudio desse encontro dos dois, gravado em fita K7 e disponível na web, revela o motivo. Era a primeira vez que Beth ouvia a canção. Depois, consideraria a Madrinha do Samba a sua melhor intérprete.
Confira no vídeo abaixo.
Noutro registro, Cartola canta a música ao lado do pai, Sebastião de Oliveira. Os dois não se falavam havia mais de 40 anos. Porém, falido, o poeta se viu obrigado a voltar a morar com ele no subúrbio carioca de Bento Ribeiro. Essa pérola foi incluída no documentário Cartola - Música para os Olhos de 2007, dirigido por Lírio Ferreira e Hilton Lacerda.
Como Cartola.
*Cartola seria batizado como Agenor e, durante anos, ele mesmo acreditava que era este o nome dele. Só depois, numa revisão de documentos, descobriu-se que o nome mesmo era Angenor. O escrivão registrou errado.
Fontes principais: Sidnei Schneider em a Hora do Povo e Dicionário MPB Cravo Albin
Creusa e o pai durante a gravação do disco de 1976
Muito antes, aos 16 anos, Creusa começava a demonstrar interesse em usufruir das belezas da vida. Namorar, passear com os amigos, enfim, desfrutar de sua juventude. Zeloso, Cartola teria composto essa canção pensando nela, em tom de conselho. Consta que Creusa casou-se aos 17.
A música é de 1943, mas só foi gravada por Cartola em 1976. O violão de Guinga e a flauta de Altamiro Carrilho na introdução são fantásticos. Creusa participou das gravações e cantou em duas faixas. Detalhe: o poeta só foi gravar as próprias composições nos anos 1970.
E foram apenas quatro discos.
Capa do famoso "disco da janela" com Cartola e Dona Zica - segundo da carreira do poeta
Apesar de famoso na Mangueira através de outros artistas desde os anos 1930, Cartola passou por perrengues incríveis. Ficou no ostracismo durante décadas. Chegou a lavar carros e a trabalhar como vigia noturno. Por sorte, foi reconhecido na rua pelo jornalista Sérgio Porto (o eterno Stanislaw Ponte Preta), que ajudou o mestre a dar um restart na carreira.
O MUNDO É UM MOINHO
(Cartola)
Ainda é cedo, amor
Mal começaste a conhecer a vida
Já anuncias a hora de partida
Sem saber mesmo o rumo que irás tomar
Mal começaste a conhecer a vida
Já anuncias a hora de partida
Sem saber mesmo o rumo que irás tomar
Preste atenção, querida
Embora eu saiba que estás resolvida
Em cada esquina cai um pouco a tua vida
Em pouco tempo não serás mais o que és
Embora eu saiba que estás resolvida
Em cada esquina cai um pouco a tua vida
Em pouco tempo não serás mais o que és
Ouça-me bem, amor
Preste atenção, o mundo é um moinho
Vai triturar teus sonhos, tão mesquinhos
Vai reduzir as ilusões a pó
Preste atenção, o mundo é um moinho
Vai triturar teus sonhos, tão mesquinhos
Vai reduzir as ilusões a pó
Preste atenção, querida
De cada amor tu herdarás só o cinismo
Quando notares estás à beira do abismo
Abismo que cavaste com os teus pés
De cada amor tu herdarás só o cinismo
Quando notares estás à beira do abismo
Abismo que cavaste com os teus pés
Em artigo publicado pelo jornal Hora do Povo em 2013, o poeta gaúcho Sidnei Schneider "compra briga" sobre uma versão controversa, relacionada à origem da música.
Escreve ele: "'(...)Escutar é complicado e sutil', anotou certa vez o escritor Rubem Alves, ele mesmo relembrando Alberto Caeiro, 'Não é bastante não ser cego/ Para ver as árvores e as flores.' Na tal mensagem, a reprodução da letra de 'O Mundo é um Moinho' vem antecedida por este brinco de erudição e amor ao povo, em destaque e sublinhado: 'Cartola fez esta música quando soube que sua filha era prostituta (...)'"
Mais adiante, Sidnei se vale de depoimento de familiares de Creusa para desclassificar essa informação:
"(...)Irinéa dos Santos, a mais velha dos cinco filhos de Creuza, disse que Cartola compôs 'O mundo é um moinho' ao refletir sobre o que reservaria a vida para Creuza, então uma menina de 16 anos, que passava a se interessar pelos rapazes. Preocupações de qualquer pai amoroso em relação a sua filha, às quais é preciso somar a noção de liberdade artística. Cartola, igual a qualquer compositor, devia interessar-se pelo que a canção podia dizer aos outros, os seus ouvintes, e jamais a reduziu à situação doméstica.(...)'"
Deixando a polêmica de lado, porque ela é muito menor que a obra.
Cartola deu a música a Beth Carvalho, que foi usada em 1977 no álbum Nos Botequins da Vida. Vendeu mais de 400 mil cópias - estourou de fazer sucesso.
E, acreditem, o mestre achava que Beth não deveria gravá-la. Um áudio desse encontro dos dois, gravado em fita K7 e disponível na web, revela o motivo. Era a primeira vez que Beth ouvia a canção. Depois, consideraria a Madrinha do Samba a sua melhor intérprete.
Confira no vídeo abaixo.
Noutro registro, Cartola canta a música ao lado do pai, Sebastião de Oliveira. Os dois não se falavam havia mais de 40 anos. Porém, falido, o poeta se viu obrigado a voltar a morar com ele no subúrbio carioca de Bento Ribeiro. Essa pérola foi incluída no documentário Cartola - Música para os Olhos de 2007, dirigido por Lírio Ferreira e Hilton Lacerda.
O doc de 2007, na íntegra: Cartola e Sebastião aparecem aos 00:53:19
Outra
bela interpretação de "O Mundo é um Moinho" veio na voz de Cazuza (que,
como Cartola, também se chamava Agenor*). Cantada por um ídolo daquela
geração 1980, a música se consolidava como atemporal e poderosa.
Como Cartola.
Cazuza canta "O Mundo é um Moinho"
*Cartola seria batizado como Agenor e, durante anos, ele mesmo acreditava que era este o nome dele. Só depois, numa revisão de documentos, descobriu-se que o nome mesmo era Angenor. O escrivão registrou errado.
Fontes principais: Sidnei Schneider em a Hora do Povo e Dicionário MPB Cravo Albin
Pesquisa: Robson Leite
👏👏👏👏👏
ResponderExcluirHumildimente rebatendo a afirmação do reporter gaúcho, a ideia fica no ar como uma corrente de eletricidade, as pessoas podem ter uma inspiração apartir daquela ideia basica, que marca a mente da pessoa. Tenho a mais plena certeza de que o Cartola não leria tal poema e tenha pensado em utilizar frazes do mesmo, para fazer a sua obra.
ExcluirDemais. Pra lá de bom. Chega à ser espiritual
ResponderExcluirFantástico. Que beleza a nossa história
ResponderExcluirto amando esse blog
ResponderExcluirgostaria de ver mais obras relatadas aqui.
ResponderExcluirMeu professor de artes irá fazer uma aula dedicada à discussão dessa música, muito obrigado pelas informações.
ResponderExcluirAmo as músicas do cartola dms! Só vim saber dessa versão do cazuza agora, muito boa!
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