A HISTÓRIA DE "DEBAIXO DOS CARACÓIS DOS SEUS CABELOS": Canção-abraço

Em dezembro de 1968, logo após o decreto do AI 5, Caetano Veloso e Gilberto Gil foram presos sob a acusação de "desrespeito" ao hino e à bandeira do país. Tiveram de raspar os cabelos, enquanto permaneceram detidos. A humilhação não parou por aí: um comandante, fã de Gil, pediu a ele que cantasse para a tropa no quartel de Deodoro, no Rio. 

De verdade. Como negar?




Soltos na quarta-feira de cinzas de 1969, os dois receberam um "convite" do regime para deixar o Brasil. Os golpistas permitiram que fizessem dois shows em Salvador para arrecadar fundos. Em julho, após apresentações no Teatro Castro Alves, Gil e Caetano partiram com as esposas Drão e Dedé para Londres.


sobre os tempos de cárcere e exílio de Gil e Caetano. 


Consta que Gilberto Gil se adaptou melhor ao exílio. Um grande sucesso emergiu pouco tempo antes: Aquele Abraço foi uma espécie de hino de despedida. Eu conto essa história aqui no blog.

Já Caetano demonstrava tristeza e desinteresse pelo cotidiano do Reino Unido. 

Algo que fica patente na composição London London, escrita naquele momento. A saudade da Bahia e do Brasil deixavam o poeta triste. Uma imensa cabeleira encaracolada já lhe cobria a cabeça, mas não escondia a humilhação pela qual passara junto com o amigo poucos meses antes. 

De passagem pela capital inglesa, Roberto Carlos foi visitar os amigos que fizera por ocasião dos festivais. A aproximação entre eles se deu muito em função da admiração de Maria Bethânia pelo artista.

Tanto que, tempos depois, ela mesma gravaria várias canções de Roberto.




Nesse encontro, Roberto Carlos mostrou a eles As Curvas da Estrada de Santos e fez Caetano chorar de saudade. A fragilidade do amigo baiano, naquela condição de impossibilidade de voltar pra casa, comoveu e acendeu a inspiração de Roberto.


Foi quando ele resolveu homenagear Caetano Veloso em Debaixo dos Caracóis de Seus Cabelos. Sem qualquer palavra que atacasse diretamente o regime, o Rei inventou uma canção de protesto romântica e carinhosa. Um abraço solidário ao amigo de cabelos encaracolados.



DEBAIXO DOS CARACÓIS DOS SEUS CABELOS
(Roberto e Erasmo - 1971)

Um dia a areia branca
Teus pés irão tocar
E vai molhar seus cabelos
A água azul do mar
Janelas e portas vão se abrir
Pra ver você chegar
E ao se sentir em casa
Sorrindo vai chorar
Debaixo dos caracóis dos seus cabelos
Uma história pra contar
De um mundo tão distante
Debaixo dos caracóis dos seus cabelos
Um soluço e a vontade
De ficar mais um instante
As luzes e o colorido
Que você vê agora
Nas ruas por onde anda
Na casa onde mora
Você olha tudo e nada
Lhe faz ficar contente
Você só deseja agora
Voltar pra sua gente
Debaixo dos caracóis dos seus cabelos
Uma história pra contar
De um mundo tão distante
Debaixo dos caracóis dos seus cabelos
Um soluço e a vontade
De ficar mais um instante
Você anda pela tarde
E o seu olhar tristonho
Deixa sangrar no peito
Uma saudade, um sonho
Um dia vou ver você
Chegando num sorriso
Pisando a areia branca
Que é seu paraíso
Debaixo dos caracóis dos seus cabelos
Uma história pra contar
De um mundo tão distante
Debaixo dos caracóis dos seus cabelos
Um soluço e a vontade
De ficar mais um instante


Lançada em 1971, no álbum Roberto Carlos, fez grande sucesso na voz do Rei. Além de Debaixo dos Caracois, o disco trazia também Detalhes, Amada Amante e Todos Estão Surdos. Roberto apresentou ainda Como Dois e Dois de Caetano Veloso.





Gil e Caetano retornaram ao Brasil pouco tempo depois. Foram dois anos e meio de exílio forçado. 
 
Em tempo.

Eu já havia escrito e editado este post quando, via Facebook, percebi um texto que dialogava diretamente com ele.

Graças à querida Alessandra Mello soube de outra conexão importante entre os dois. A canção Muito Romântico, gravada pelo rei em 1977, foi escrita pelo baiano como forma de defender o amigo capixaba de críticas sobre a postura dele na ditadura.

Roberto e suas letras adocicadas estavam incomodando uma plateia que lhe cobrava mais engajamento.





Caetano, em depoimento ao historiador Paulo César Araújo, disse que fez a música em "defesa do artista e de seu modo de ser, contra aqueles que tentam botar rédeas e trilhos no seu caminho". 

E incluiu Muito Romântico no álbum Muito (1978), que é minha versão favorita.


Pesquisa: Robson Leite


Comentários

  1. A música " Muito Romântico foi gravada em 1977 e a música "fera ferida" não é de autoria de Caetano, e sim de Roberto e Erasmo.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Certíssimo, já foi corrigido. O próprio texto se contradizia. Deslize meu.

      Excluir

Postar um comentário