A HISTÓRIA DE "LA BELLE DE JOUR": Triângulo amoroso





De onde é que a gente vislumbra a Torre Eiffel a partir da praia da Boa Viagem, em clima de nouvelle vague? Paris e Recife se encontram nos olhos azuis de mulheres incríveis, que cativaram a alma de poeta de Alceu Valença. E esse pedaço imaginário do mundo gerou uma das canções mais celebradas do pernambucano: La Belle de Jour.  


Eu lembro da moça bonita
Da praia de Boa Viagem
E a moça no meio da tarde
De um domingo azul
Azul era Belle de Jour
Era a bela da tarde
Seus olhos azuis como a tarde
Na tarde de um domingo azul
 
La Belle de Jour!

La Belle de Jour
Era a moça mais linda
De toda a cidade
E foi justamente pra ela
Que eu escrevi o meu primeiro blues
Mas Belle de Jour
No azul viajava
Seus olhos azuis como a tarde
Na tarde de um domingo azul
La Belle de Jour!

Essa música é fruto da junção de um encontro inesquecível com uma gafe divertidíssima. 


A música faz parte do disco Sete Desejos, lançado por Alceu em 1991, já como artista da EMI. 

Está lá como segunda faixa, mas é a composição que verdadeiramente abre o álbum, por ser precedida por uma vinheta de 30", com zabumba e uma degustação de Papagaio do Futuro

Na sequência, temos aquele som poderoso, tão lírico e universal e, ao mesmo tempo, tão absolutamente nordestino. A explicação é simples: a canção tem tripla nacionalidade.

Alceu Valença passou o ano de 1979 na França. Partiu junto com Raul Seixas, Jards Macalé e outros "loucos", num auto-exílio forçado de quem contestava com arte o pensamento dos ditadores do Brasil daquela época (ele conta essa história no vídeo abaixo).


Então foi-se, né?, apresentar seu repertório variado para os franceses apaixonados pela música brasileira. 


Fez muito sucesso. Gravou até um disco por lá. Tanto que voltou à "cidade luz" em 1986, já sem o "empurrão" da ditadura, para um grande festival. Havia morado em Paris e conhecia bem seus encantos e recantos. Resolveu tomar umas após a apresentação - justamente, no primeiro lugar onde se apresentara para os parisienses. 

Um certo "Bar dos Filósofos" na Rive Gauche. 

Diz ele que chegou lá com um produtor e, afora dois ou três filosofantes habituais, percebera duas mulheres fazendo companhia uma à outra em uma das mesas - pouca gente. Ninguém parecia tê-lo reconhecido de pronto. Sabe-se lá quantas taças de vinho depois, ele começou a falar, falar, falar e diluir seu charme agreste indefectível no pedaço. Acabou chamando a atenção de uma daquelas mulheres, que quis saber quem ele era. 


Talvez aquele tipo cabeludo e cheio de magnetismo lhe parecesse familiar.

Alceu disse a ela que era um poeta. "Então me faça um poema!", pediu a mulher. E o louco pernambucano não pensou duas vezes: entregou à musa um guardanapo... em branco! O que ele quis dizer com isso? Não vi ninguém até hoje perguntar. 
Certo é que Alceu não sabia de quem se tratava.


Veio a descobrir depois, através de seu acompanhante, que a linda mulher que encontraram era ninguém menos que a maravilhosa Jacqueline Bisset  - atriz famosíssima em Hollywood, mas que ele não reconhecera naquele momento. Tá, fazer o quê? Maravilhosamente, ganhou um quase-poema e partiu. Então tchau, né... 

O tempo passou até que o compositor teve a ideia de fazer uma canção que celebrasse aquele encontro em Paris, misturado a outras inspirações que lhe cercavam. Lembrou dos olhos azuis de Jacqueline e os associou aos de uma namorada que teve no Recife, frequentadora da Praia da Boa Viagem (abaixo).  



E  o resultado a gente já conhece... e esta gravação lindíssima (abaixo) com a Orquestra Ouro Preto é, talvez, uma de suas versões mais lindas...




A gafe é que Alceu associou o encontro em Paris com Jacqueline ao filme La Belle de Jour (A Bela da Tarde -1967) do espanhol Luis Buñuel, um dos símbolos do gênero nouvelle vague. Uma zona: Bisset, apesar do sobrenome, é britânica. Na verdade, quem estrela o longa é Catherine Deneuve - essa sim, francesa. Mestre Valença trocou as bolas e homenageou o país e a atriz errada. 


Mas nem por isso. 

Acabou juntando numa mesma melodia uma musa brasileira, com outra francesa e uma terceira britânica. Dessa mistura maluca, nasceu um clássico da MPB. Absolutamente inesquecível e belo. Sempre haverá moças bonitas nas praias, nos bares e nos filmes. 

Mas nenhuma será como a de La Belle de Jour.

 Ouça a história contada pelo próprio




Pesquisa: Robson Leite

 

Comentários

  1. Que linda história desse poema da MPB! ♥️♥️♥️♥️♥️♥️

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  2. Amei demais a reportagem! Parabéns!

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  3. Todo gênio tem suas "doidices" Alceu é sensacional

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  4. q loco...tbém com qtas garrafas de vinho ele estavva na cabeça? Tá na hora de alceu voltar para Paris. Estamos em plena Ditadura do Judiciário.Será q ele vai?

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  5. Amei a história da música!! Alceu Valença e sua genialidade!!

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  6. Sou fã de Alceu Valença. Ouço suas músicas e vou as lágrimas.

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  7. Demais! Adorei conhecer este blog. Apresenta as histórias mais primorosas da MPB de um jeito gostoso de ler e com ótima seleção de vídeos e fotos. Ouvir essa música na praia de Boa viagem foi um deleite inesquecível

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  8. Amei a história dessa melodia, não tem como não se emocionar ouvindo essa nela canção.

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  9. Não sabia dessa história,ela é brilhante,me fez gostar mais da música..

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