O Bar Veloso - o original, então em Ipanema - não era somente um espaço para bebidas e tira-gostos para seus frequentadores. Ali, quando o Rio de Janeiro ainda era só encantamento e poesia, Tom Jobim e Vinícius de Moraes ficavam com um olho nos uísques e o outro na paisagem. Gostavam de se inebriar com o álcool nas garrafas e com a beleza das transeuntes. Em especial, as moças no caminho da praia. Algumas mereceram até canções. Já falamos sobre Lígia, outra musa de Tom.
Agora é a vez de uma garota que cativou o planeta.
Anos 1960. Heloísa tinha apenas 17 anos, morava na Rua Montenegro e frequentava o Posto 9. Rostinho angelical e corpo escultural, acabou chamando a atenção daquela dupla já mencionada em seu constante plantão etílico. Dizem que costumava entrar no buteco para comprar cigarros pra mãe. Paixão platônica daqui, álcool de lá, Tom acolá, Vinícius ali... pá!!! Nasce o hit Garota de Ipanema, que ganha o mundo e vira o Hino da Bossa Nova, certo? Oh povo apressado! Claro que não.
Tem história pra ser contada aí.
Pouca gente sabe, mas música nasceu sob encomenda. Deveria fazer parte de um musical que nunca estreou, chamado Dirigível. Mas a canção pareceu promissora. Tom compôs a melodia em casa, ao piano. Vinícius imaginou uma letra diferente a princípio, que ganhou o nome de Menina que Passa.
Vinha cansado de tudo
De tantos caminhos
Tão sem poesia
Tão sem passarinhos
Com medo da vida
Com medo de amar
Quando na tarde vazia
Tão linda no espaço
Eu vi a menina
Que vinha num passo
Cheio de balanço
Caminho do mar
De tantos caminhos
Tão sem poesia
Tão sem passarinhos
Com medo da vida
Com medo de amar
Quando na tarde vazia
Tão linda no espaço
Eu vi a menina
Que vinha num passo
Cheio de balanço
Caminho do mar
Não pegou. Melancólica demais, acabou passando mesmo. Foi devolvida ao remetente.
Ufa!
Vinícius reescreveu a letra, que ganhou a versão tal qual a conhecemos hoje. E ela foi parar no famoso show dele com Tom, João Gilberto e Os Cariocas na boate Au Bon Gourmet em Copacabana, naquele 2 de Agosto de 1962.
Para apresentar sua garota, compuseram até uma introdução especial. Cantada.
João Gilberto : Tom e se você fizesse agora uma canção
Que possa nos dizer, contar o que é o amor?
Que possa nos dizer, contar o que é o amor?
Tom Jobim : Olha Joãozinho! Eu não saberia,
sem Vinicius pra fazer a poesia
Vinicius de Moraes : Para essa canção se realizar
Quem dera o João para cantaaaaaaaaaaaaaar
Quem dera o João para cantaaaaaaaaaaaaaar
João: Ah, mas quem sou eu? Eu sou mais vocês.
Melhor se nós cantássemos os três.
Melhor se nós cantássemos os três.
Os três: Olha que coisa mais linda
mais cheia de graça […]
mais cheia de graça […]
Essa apresentação ficou registrada e está disponível na internet. Garota de Ipanema aparece aos 27 minutos.
A primeira gravação de estúdio foi de Pery Ribeiro, filho de Dalva de Oliveira e Herivelto Martins. O sucesso foi tamanho que, em 1964, ela ganhou sua famosa versão em inglês escrita por Norman Gimbel. Foi gravada por Astrud Gilberto com arranjo de Stan Getz. Aí virou hit internacional, interpretada mais tarde por Frank Sinatra, Cher, Madonna, Amy Whinehouse e outros.
Mas, até essa explosão internacional, ninguém sabia quem era a tal garota. E muitas reclamaram o posto. Seria uma homenagem à mulher brasileira?
Vinícius só abriu o jogo em 1965. Disse em entrevista que ela havia sido composta para a menina Heloísa, que mais tarde adotaria o sobrenome do marido Francisco e se tornaria Helô Pinheiro.
Mas nem ela sabia disso, até então.
A jovem, que se dizia "careta e inocente", filha de pai militar e mãe repressora, teve que se adaptar ao assédio. Mulherengos confessos como Ronaldo Bôscoli ficaram no pé. Declarou, certa vez, que recebeu proposta de casamento até do próprio Tom Jobim. Resistiu bravamente.
Preferiu ficar só no poema.
Olha que coisa mais linda
Mais cheia de graça
É ela, menina
Que vem e que passa
Num doce balanço
Mais cheia de graça
É ela, menina
Que vem e que passa
Num doce balanço
A caminho do mar
Moça do corpo dourado
Do sol de Ipanema
O seu balançado é mais que um poema
É a coisa mais linda que eu já vi passar
Do sol de Ipanema
O seu balançado é mais que um poema
É a coisa mais linda que eu já vi passar
Ah, por que estou tão sozinho?
Ah, por que tudo é tão triste?
Ah, a beleza que existe
A beleza que não é só minha
Que também passa sozinha
Ah, por que tudo é tão triste?
Ah, a beleza que existe
A beleza que não é só minha
Que também passa sozinha
Ah, se ela soubesse
Que quando ela passa
O mundo inteirinho se enche de graça
E fica mais lindo
Por causa do amor
Que quando ela passa
O mundo inteirinho se enche de graça
E fica mais lindo
Por causa do amor
Ipanema virou berço e símbolo da beleza carioca, encantando o mundo num doce balanço bossanovista. Toda menina da praia queria ser aquela garota. Houve concursos. E muitas metamorfoses. A Rua Montenegro, por exemplo, virou Rua Vinícius de Moraes.
Até o velho Veloso morreu e reencarnou, mulheríssima, em 1974.
Estima-se que haja umas 200 versões de Garota de Ipanema. A mais emocionante eu me permito eleger a com Daniel Jobim - filho de Tom - ao piano, para o desfile da top model Giselle Bündchen durante a abertura dos jogos do Rio em 2016. Era o Maracanã e o mundo inteiro cantando junto.
A mais inusitada talvez seja a dos estadunidenses do B52's, que tiraram a gata-garota dos mais de 40 graus do Rio e levaram pra gelada Groelândia. Nem é exatamente uma versão, mas uma menção cheia de pirações psicodélicas, para uma paixão que não tem idade.
Nem época.
Fontes: Internet, G1 - Eterna Garota de Ipanema e Recanto das Letras
Pesquisa: Robson Leite
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